sexta-feira, 21 de maio de 2010

A terapia comunitária e a recuperação da pessoa humana

Tratar de definir o que seja a espiritualidade, parece-me o começo necessário deste diálogo. Entendo por espiritualidade, a vivência de Deus ou do sagrado, por contraposição com a religiosidade, que é essa mesma vivência no âmbito de uma religião. A primeira, se processa no cotidiano, e, nesse sentido e contexto, tudo é sagrado. A segunda, se bem que possa estar incluída ou incluir a primeira, se processa sobre tudo, embora não exclusivamente, no âmbito definido como sagrado por uma religião.

Entendo por religião, um conjunto de práticas e crenças orientadas à vivência do sobrenatural e divino. Supõe, embora nem sempre, uma hierarquia sacerdotal ou de mediadores entre o humano e o divino, o que é suprimido tanto pela terapia comunitária --em que cada pessoa é o seu próprio mediador, se assim podemos nos expressar-- quanto na espiritualidade, âmbito por excelência da vivência mística ou da participação com Deus.

Pode ser contraditório, ou parecê-lo, colocar em âmbitos separados e até opostos, o que parece estar unido e ser uma única e a mesma coisa, isto é: a vivência e a crença. A experiência e a conceituação dessa mesma experiência. São como a forma e o conteúdo: indissociáveis. Mas, para fins da análise, devemos separá-los.

Uma coisa é crer em Deus, e outra, viver em Deus, ou com Deus, ser um com ele. Um é o âmbito da crença, como dissemos, outro o da experiência. Um o da religião, outro, o da mística.

Na terapia comunitária, abole-se a mediação entre o ser humano e o sagrado. Repõe-se no âmbito da sociabilidade que abole as barreiras de classe, social, de status socioeconômico, de nível intelectual, de aparência, raça, cor, religião, etc, a unidade e igualdade essencial da pessoa, seu pertencimento a uma realidade que a inclui, com seus atributos que lá fora, na vida anterior e exterior ao espaço da terapia comunitária como recriação da pessoa para si, opõe o igual ao seu igual, faz do irmão um inimigo, do vizinho um estranho, do diferente alguém perigoso, do pobre um desprezado que nada vale, do intelectual e do técnico, do doutor e do profissional, um que é tudo, que vale mais, e deve ser respeitado embora nem sempre mereça esse respeito.

Neste sentido, a terapia comunitária funciona como um embrião de religiosidade primitiva, sem o tom eclesiástico ou institucional que a palavra possa ter ou despertar. Religiosidade, no sentido de pertencimento, de união com o real, sem fissuras nem cisões. Aqui, a espiritualidade, nos parece, já se separa como uma prática ou um estado de consciência, em que a pessoa e a comunidade abolem as barreiras que a sociabilidade capitalista, a sociedade do pensamento único que classifica, que coisifica, que aliena o indivíduo de si mesmo e da vida, do tempo, da história e da memória, dos seus semelhantes.

Na terapia comunitária, a pessoa se reencontra consigo mesma, mas não com essa mesmidade que pode parecer coisa intimista ou excludente do coletivo, do social, e sim com a sua totalidade, com tudo que ela é. Ela recupera, vai recuperando gradativamente ou de uma só vez, a imagem do ser inteiro que ela é, da sua trajetória de vida, seus valores, os esforços pessoas e familiares de que é resultado, o seu projeto de futuro, ancorado num pertencimento coletivo que antes apenas podia vislumbrar e agora se lhe aparece como um horizonte concreto de existência.

Este processo ocorre nas rodas de terapia comunitária pelo Brasil afora, e, já, no Uruguay, onde desde o ano passado, um grupo de terapeutas comunitários vem trabalhando em setores como a recuperação de jovens uduários de drogas, e demais setores da atenção primária em saúde.

A pessoa, muitas vezes arremessada de cidades pequenas ou do campo para as grandes cidades, outras vezes, muito frequentemente, perdida na prisão de papéis sociais que lhe negam a identidade e a plena realização das suas potencialidades, redescobre o sentido da sua vida, depara-se novamente com a vida como algo a ser criado, construido epssoal e coletivamente, no seio da sua família, no convívio com vizinhos e coleags de trabalho ou de estudo. Em outras palavars, novamente se descobre autora do seu próprio destino, sujeito e não objeto.

Isto pode parecer ambicioso demais ou excessivo, se você não participou ainda destas experiências coletivas de recuperação de pessoas, mas quem já tem alguns passos dados nesta esrtarda, sabe o quanto se partilha de novos nascimentos cada vez que os terapuetas se encontram, cada vez que é posta a rodar novamente esta roda da vida que, não por acaso, se apoia essencialmente e muito fortemente, no pensamento de Paulo Freire, a pedagogia da autonomia, a educação como prática da liberdade.

Esta é uma das estradas, desses caminhos palmilhados por centenas de pessoas pelo Brasil afora, e, como dissemos, já em marcha no Uruguay, com entrada para a Argentina, na província de Misiones. São formas concretas de reconstrução da humanidade sobre novas bases, ou melhor, sobre bases olvidadas, que começam a ser redescobertas e postas em prática.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Espiritualidade e Terapia Comunitária

Nestes anos em que venho participando da Terapia Comunitária, já como curioso ou então como colaborador em distintos trabalhos, tenho tido a oportunidade de observar que a conexão entre espiritualidade e Terapia Comunitária é intensa e profunda.

As rodas de Terapia Comunitária concluem com rituais de integração. São momentos de comunhão com o sagrado, de reforço de laços solidários. São momentos em que revive a religiosidade adormecida. As pessoas se abraçam, formam-se rodas, cantam-se hinos religiosos, abençoam-se uns aos outros, incluindo os ausentes. Mas não quero me referir aqui somente a manifestações explícitas de religiosidade, e sim, pontuar o que me parece ainda mais importante, que é como, a partir da prática da terapia comunitária, da redescoberta de si mesmo e da nossa inserção num todo maior, praticam-se a fraternidade, o amor de uns pelos outros, o amor a si mesmo, o respeito e a reverência à vida nas suas distintas manifestações, na sua misteriosa inextinguibilidade.

Quando as pessoas aprendem a se escutar com atenção e respeito, e ao ouvir o outro percebo que ele e eu somos semelhantes, passamos por sofrimentos parecidos ou situações também parecidas, surge uma empatia. Eu e o outro não somos tão diferentes. Ela ou ele, e eu, temos muito em comum. Eu ajudo e sou ajudado. As redes, a teia de aranha, não são símbolos sem significado, mas realidades concretas.

Quando, na finalização da roda de Terapia, nos abraçamos uns aos outros, é porque juntos descobrimos uma força maior, uma que estava adormecida ou esquecida, como dissemos, e que foi revivida em poucos minutos.

Quando a Terapia Comunitária chegou em João Pessoa em 2004, no bairro dos Ambulantes, na louça da sala da Associação dos Moradores do Bairro em que se iniciaram os trabalhos, estava escrito: Juntos podemos vencer todos os problemas. Não poderia haver nada mais significativo. O reencontro da força coletiva, a recuperação da fé em si e na comunidade como ator social concreto, efetivo, no empoderamento das pessoas e na revitalização dos seus laços de pertencimento ao tempo e à vida, à sociedade e ao mundo atual, é profundamente religioso, no sentido original do termo.

Alguns alunos do Programa de Posgraduação em Enfermagem da UFPB tem pesquisado a influência ou presença da fé nas rodas de terapia no Rio Grande do Norte. Outros, tem levantado, em entrevista com profissionais da saúde formados em Pedras de Fogo, Paraíba, a autoconsciência do renascimento que se processa na pessoa no processo de formação em Terapia Comunitária.

Ainda, no México, no Uruguay, e na Venezuela, tenho observado a confluência de tradições místicas da humanidade, entre as pessoas na ENEO-UNAM, na Facultad de Enfermería de la Universidad de la República (UDELAR), e na Universidad de Crarabobo.

O clima de alegria, a sensação de as pessoas serem vencedoras, o sentirem-se parte de uma força ativa de saração, é profundamente espiritual. Pessoas tem visto cor violeta (Uruguay), após uma sensiblização realizada, na qual, no final, cantou-se o Ave Maria. No México, um reviver da tradição asteca e tolteca, na visita às pirâmides de Cholula e Teotihuacán. Na Venezuela, um eclodir da alegria espontânea e gratuita que se expressam na dança e na piada, no mútuo se alegrar com a companhia dos promotores da vida, dos parteiros da esperança.

Não estamos falando apenas –embora também—das formas de religiosidade explícita, mas, sobre tudo, de vivências do sagrado. Nas Ocas do Índio em Beberibe-CE, nos encontros de formadores ou nas vivências durante a formação como terapeutas comunitários, temos vivenciado em nós e no grupo, estas sensações de pertencimento, de uma calma que ultrapassa a compreensão, uma sensação de paz, um estado de inexprimível unidade.

Já não importa o cargo ou a profissão, o papel social da pessoa ou a sua educação (grau de escolaridade), mas entre todos se criam laços de união duradouros que perpassam o tempo e as distâncias. É isto.

Frente de combate à pedra da ruína: o crack, por Andreia Manzolli

Olá grande rede, sabemos que a Terapia Comunitária tem sido uma ferramenta em várias esferas do sofrimento humano. Gostaria de compartilhar e de informar a mobilização que está sendo feita por órgãos lidados ao combate das drogas, mães e pais que estão desesperados por verem seus filhos se enveredarem nesse caminho, a sociedade que paga cada vez mais com os efeitos do aumento do uso principalmente do crack, que é capaz de desenvolver estados de dependência com muito maior frequência e com potencial maior, ou seja, não precisa fumar muita pedra para desenvolver um quadro grave de dependência.

Por conta do alto grau de dependência e fissura, essas pessoas perdem referências, princípios, valores, verdadeiramente se desumanizam e parecem ter congelado e se desconectado com o mundo dos humanos. Meu trabalho tem sido um desafio, juntamente com toda esquipe da Comunidade Terapêutica Reviver, em que cada um com sua história cheia de dores e atos infracionais que chegam a ser arrepiantes, relacionados ao consumo do álcool e drogas (principalmente o crack) são reconhecidos num contexto mais amplo, no qual, ao contarem com uma oportunidade de se conscientizarem acerca dos próprios problemas podem desenvolver a capacidade de redefini-los e responsabilizar-se por suas próprias escolhas e atos.

Gostaria de alertar para o trabalho preventivo também, de apostar em informações, resgate dos valores e princípios humanos, conscientizar a criançada e os adolescentes desse caminho que como eu mencionei é o da pedra da ruína. Gostaria de enviar um site de uma ong www.cisa.org.br que tem feito trabalhos preventivos para jovens de forma lúdica e incentivado a prática de esporte.

Todos sabemos que em qualquer comunidade, em qualquer roda, o tema Álcool e drogas são bem frequentes. Que possamos também ajudar a prevenir, afinal como diriam nossos avós "antes prevenir que remediar". Gostaria de dizer que o grupo de NA (narcóticos anônimos) possuem em seu estatuto o 12 passo, onde levam mensagem para vários lugares. Eles estão "limpos, em recuperação, já que a Organização mundial da Saúde vê a dependência química e de álcool uma doença crônica, progressiva e fatal. Essas pessoas podem levar mensagens em escolas, em rodas de TC, enfim, é através da história deles contada, do sofrimento vivido e da superação que podemos também utilizar como estratégia nessa luta. Quem tiver ou souber de outras estratégias, ongs, trabalhos nesse combate participe dando seu depoimento.

Esse trabalho que venho desenvolvendo junto com a equipe Reviver vai nesse encontro, de resgatar conexões humanas, valores, princípios, auto-conhecimento, novo script de vida.